Resolvi sair de casa e ir até ao jardim da gulbenkian. Queria sentar-me num sítio com poucas pessoas, mas isso revelou-se impossível: parecia que todos queriam sair de casa num dia tão ameno de verão. Sentei-me, portanto, no topo do anfiteatro de pedra. Já que não podia estar sozinho, ao menos escolhia um sítio de onde poderia ver toda a gente. Quando tomei a decisão de ir até lá, não tinha isso em mente, mas já que ali estava, poderia aproveitar o momento para me afastar um pouco da minha vida e concentrar-me na dos outros.
A maioria das pessoas estavam acompanhadas. Um casal de namorados que, certamente, poderia dar sangue, parecia não ter nada para dizer. Talvez partilhassem tudo o que havia a partilhar no momento em que juntavam os lábios e outras trocas, bem mais físicas, se estabeleciam. Uma família com muitas crianças que festejava o aniversário de uma delas. Pareciam viver para correr atrás dos pombos, para comer os biscoitos que traziam e para mostrarem o quanto gostavam uns dos outros. Duas senhoras que pareciam falar sobre trabalho, sublinhando passagens de livros e apontando coisas importantíssimas nos seus blocos de notas.
Eu era um dos que estavam sozinhos. Estes entretiam-se a ler o jornal ou um livro, a escrever ou a observar o cenário à sua volta. Que pensariam eles? Chegara a altura das fotografias: a família feliz queria guardar, em algo mais confiável que a memória, os belos momentos daquele dia. Em que pensaria eu, enquanto os observava? Não pensava em nada, porque não podia. Não conseguia sequer imaginar como seriam as suas vidas, porque estava sempre a ser confrontado com a minha.
Vendo que o seu objectivo ali tinha sido cumprido, o casal de namorados foi-se embora, depois a família numerosa e em último lugar as duas senhoras. As pessoas acompanhadas iam e vinham, mas as pessoas que estavam sozinhas eram sempre as mesmas. Não teriam ninguém à sua espera? E eu, teria alguém à minha espera? Tudo o que via, me fazia pensar na minha vida e do que me valia isso? Para pensar nisso, mais valia ter ficado em casa. E foi para lá que voltei. Odeio jardins. Podemos estar moderadamente bem, mas acabamos por ficar deprimidos, porque há sempre alguém mais feliz que nós e que não tem vergonha em mostrá-lo.
3 comentários:
é bom sair de casa. nem que seja sozinho e para nos limitarmos a observar os outros, como fizeste. sim, por vezes deparamo-nos com a felicidade mal escondida dos outros, estando nós arrasados (quase nos parece ofensivo, o que é ridículo). mas e se fosses tu a gozar um momento memorável, inibias-te? essas alturas são tão raras que há que agarrá-las. qualquer dia deixarás de pertencer ao grupo dos solitários e verás o mesmo contexto de outra forma. os jardins não serão tão odiosos e os dias amenos de verão tornar-se-ão mais suportáveis. e aí não escreverás sobre como teria sido melhor ficar recluso em casa a pensar na vida, mas sim como ficar dentro dela te faz perder tantas coisas que viveste e precisas de repetir.
(apareceu-me um pop-up com o teste do amor, vindo do teu blog. ahah)
ai pois é, também odeio pessoas felizes, odeio odeio! porque eu vou para lá pos jardinzinhos também assim muito solitária no mundo e ponho-me a olhar para as pessoas, tal como tu, e elas todas felizes e eu a pensar "ai deviam morrer todas. aliás, vão mesmo todas morrer. muahaha" quer dizer, não digo muahaha mas agora que penso deveria começar a dizer porque realmente dá mais ênfase ao meu pensamento demoníaco
"Odeio jardins. Podemos estar moderadamente bem, mas acabamos por ficar deprimidos, porque há sempre alguém mais feliz que nós e que não tem vergonha em mostrá-lo."
Adorei este pedaço. Escreves muito bem. Parabéns! Que a ausência não te acompanhe por muito mais tempo, se bem que eu acho que até nela encontras inspiração. Surpreendente!
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